Alunos produzindo filme é coisa de cinema?

Alunos produzindo filme é coisa de cinema?

O professor Ygor Lioi tem um sorriso do tamanho do mundo. Os olhos brilham quando fala de cinema. Agitado, gesticula bastante enquanto explica o passo a passo de tirar um filme do papel. “Você precisa conversar com os alunos, escutá-los desde o começo do processo”, indica.

Essa escuta fica evidente desde o momento que piso na Escola municipal Adalgisa Nery, em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro. Atravesso alguns espaços até chegar a sala de aula, no fim de um corredor do segundo andar. Ygor está cercado por estudantes. Não podemos chamar de roda, mas a formação lembra. Apesar de todos estarem me esperando, uma surpresa chama atenção: quem começa falando comigo são dois alunos e não o professor. Sinto que não há nem um pingo de desconforto da hierarquia estar sendo fissurada.

Em 2019, 50 alunos fizeram a eletiva “CineEscola”, toda quinta e sexta-feira pela manhã. Trabalharam durante o ano as etapas para produção de filmes. “As aulas foram se desenrolando para a construção dos storyboards, dos roteiros...Depois foi a vez de pensar e conhecer equipamentos possíveis. Na hora da gravação, eles já estavam avançados”, relembra Ygor. No fim do segundo semestre, três roteiros, escritos e votados pelos próprios estudantes, ganharam vida. “Falta editar, mas a turma quis tirar do papel ‘Menina poetisa’, ‘Inclusão no futebol’ e ‘Ainda somos os mesmos?’, que aborda sonhos de futuro dos meninos e das meninas e dos pais”, pontua.

Quem vê Ygor falando cai na tentação de acreditar que está tête-à-tête com um profissional experiente no ofício. Exatamente por ser o contrário é que fica ainda mais encantador. Há dois anos, Ygor compôs a turma do projeto “Por telas”, idealizado por Cecília Rabelo e André da Costa Pinto na quadra da escola de samba Portela. Nessa vivência, ele aprendeu técnicas do audiovisual e foi estimulado a produzir uma história que nunca tinha sido contada.

Em julho de 2018, nascia o documentário “Um craque esquecido”, sobre seu avô, o eterno meia Paulinho “ladrão de bola”, craque do Fluminense e do Botafogo na década de 1950. Essa obra está rodando festivais e abocanhando críticas positivas. “Pelo tricolor das Laranjeiras, meu avô foi campeão carioca em 1959 e vice-campeão em 1960. Se aposentou em 1966 no Bonsucesso”, fala orgulhoso.

O futebol, o samba e a Portela (e o sorriso largo) aproximaram Ygor de pessoas importantes para o bom desenvolvimento do “CineEscola”. Desde o começo, atores e produtores foram a “Adalgisa Nery” conversar com os estudantes, ajudando na formação. Personalidades do mundo esportivo, como Zico e Muricy Ramalho, enviaram mensagens de incentivo. A diretora cultural da Vila Isabel Nathália Sarro e o cineasta André da Costa Pinto botaram a mão na massa e contribuíram para o sucesso da empreitada.

               Por quais motivos é importante trabalhar cinema na escola? A provocativa pergunta gera uma reação imediata. “Primeiro por causa da lei 13.006, que determina a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. Segundo porque você rompe com o cuspe e giz, você materializa um sonho...quando eles pensariam que é possível produzir? É fundamental levar cidadania através do cinema. Fazê-los ser visíveis”, respondeu, como na gíria do futebol, de prima, sem pestanejar.

                Antes de sair, me despeço dos estudantes e do Ygor, que ainda guarda um desfecho para aquele encontro. Já tinha ouvido falar, mas não visto. Em maio de 2019, o professor e 100 alunos saíram de Santa Cruz rumo a Botafogo, cerca de 70 km de distância. O objetivo foi propiciar a muitos a primeira vez em uma sala de cinema. Ygor e o professor de educação física Rafael Moreira racharam a conta de mil e trezentos reais.

Produzir filmes é papo de escola pública sim, senhor. Tomara que o próximo passo da garotada seja ocupar o cinema para falar sobre o que inspirou suas obras de arte. 

Escrito por Thiago Gomide

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